Suspensão do Plano Safra 2024/2025 Prejudica Setor Agrícola no Brasil
- Julia Olympio
- 22 de fev.
- 6 min de leitura
Medida do governo federal gera incerteza entre produtores rurais.

O governo federal anunciou, em 20 de fevereiro de 2025, a suspensão temporária das linhas de crédito subsidiadas do Plano Safra 2024/2025, uma decisão que pegou o setor agrícola de surpresa e gerou preocupação entre produtores rurais. A medida, oficializada pelo Ministério da Fazenda por meio do Ofício Circular SEI nº 282/2025/MF, assinado pelo secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron de Oliveira, entrou em vigor no dia 21 de fevereiro e afeta diretamente os financiamentos rurais com equalização de taxas de juros. A única exceção mantida é o Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura Familiar (Pronaf) para operações de custeio, conforme previsto na Portaria MF nº 1.138, de 10 de julho de 2024.
A suspensão ocorre em um momento crítico para o agronegócio brasileiro, que depende fortemente do crédito subsidiado para financiar custeio, comercialização e investimentos nas safras. O Plano Safra 2024/2025, lançado em julho de 2024, havia sido anunciado como o maior da história, com R$ 400,59 bilhões destinados à agricultura empresarial e R$ 85,7 bilhões para a agricultura familiar, totalizando mais de R$ 508 bilhões com recursos complementares de Letras de Crédito do Agronegócio (LCA) e Cédulas do Produto Rural (CPR). No entanto, a alta da taxa Selic, que subiu de 10,5% em julho de 2024 para 13,25% em janeiro de 2025, e o atraso na aprovação da Lei Orçamentária Anual (LOA) de 2025 no Congresso Nacional comprometeram os recursos disponíveis para a equalização de juros.
O Ministério da Fazenda justificou a medida como necessária para reavaliar os custos de equalização, que aumentaram significativamente devido à elevação da taxa básica de juros. O governo arca com a diferença entre as taxas subsidiadas oferecidas aos produtores — que variam de 7% a 12% ao ano para investimentos e 8% para custeio no Pronamp — e a Selic, o que elevou os gastos públicos em um contexto de orçamento restrito. Sem a aprovação da LOA, o Executivo opera com um limite mensal de 1/12 do orçamento previsto, o que inviabilizou a continuidade das linhas de crédito equalizadas.
A decisão gerou reações imediatas no setor agropecuário. A Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA), presidida pelo deputado federal Pedro Lupion (PP-PR), classificou a suspensão como "revoltante" e um reflexo da "falta de responsabilidade fiscal" do governo. Em nota, a FPA alertou que a medida pode levar a uma redução da área plantada, queda na produtividade e aumento dos custos operacionais, comprometendo a segurança alimentar e econômica do país. "O crédito rural é a base da produção agrícola no Brasil. Sem ele, o impacto será sentido desde o campo até a mesa dos brasileiros", afirmou Lupion.
Produtores rurais, especialmente os médios e grandes, que dependem das taxas acessíveis do Plano Safra, agora enfrentam um cenário de incerteza. Em Mato Grosso, maior produtor de soja e milho do país, a Associação dos Produtores de Soja e Milho (Aprosoja-MT) manifestou preocupação com o financiamento da próxima safra. "A suspensão compromete a estabilidade financeira dos agricultores e pode refletir no abastecimento interno, influenciando até os preços dos alimentos", declarou a entidade em comunicado.
O impacto não se limita aos grandes produtores. Embora as operações de custeio do Pronaf tenham sido preservadas, a suspensão das demais linhas equalizadas pode dificultar investimentos em modernização e tecnologia para a agricultura familiar, essencial para a produção de alimentos básicos como arroz, feijão e mandioca. "O governo diz que protege os pequenos, mas sem crédito para investimentos, a agricultura familiar também perde competitividade", avalia Jaime Verruck, secretário de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação de Mato Grosso do Sul.
O agronegócio brasileiro é um dos pilares da economia nacional, respondendo por cerca de 25% do Produto Interno Bruto (PIB) e sendo o principal responsável pelo superávit comercial do país. Em 2024, o setor exportou mais de US$ 150 bilhões em produtos como soja, carne bovina e açúcar, consolidando o Brasil como um dos maiores fornecedores de alimentos do mundo. A interrupção do Plano Safra, mesmo que temporária, ameaça essa posição de liderança, especialmente em um momento em que os custos de produção já enfrentam pressões como a alta dos preços de fertilizantes e combustíveis.
Diante da crise, o governo recuou parcialmente após pressão do setor. Na sexta-feira, 21 de fevereiro, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou que editará uma Medida Provisória (MP) com R$ 4 bilhões em créditos extraordinários para tentar destravar o Plano Safra. "O presidente Lula pediu uma solução imediata. A falta do orçamento aprovado cria problemas, mas estamos buscando alternativas", afirmou Haddad em entrevista. A MP, no entanto, ainda precisa ser aprovada pelo Congresso, o que pode levar semanas em meio ao recesso legislativo e às negociações sobre as emendas parlamentares.
A suspensão também abriu um novo capítulo na relação conturbada entre o governo Lula e o agronegócio. Enquanto o Executivo culpa o Congresso pelo atraso na LOA, parlamentares da oposição e líderes do setor acusam o Planalto de má gestão fiscal. A senadora Tereza Cristina (PP-MS), ex-ministra da Agricultura, criticou a postura do governo: "Não dá para terceirizar a responsabilidade. O Executivo não trabalhou para aprovar o orçamento a tempo". Já o deputado Luciano Zucco (PL-RS) alertou para o risco de aumento nos preços dos alimentos, o que poderia pressionar ainda mais a inflação, atualmente em 4,5% ao ano.
Especialistas sugerem que a solução para o impasse exige mais do que uma MP emergencial. A revisão das políticas fiscais e a busca por fontes alternativas de financiamento, como a ampliação do uso de LCAs ou parcerias com o setor privado, são apontadas como caminhos viáveis. "O Plano Safra precisa de sustentabilidade financeira de longo prazo, não de medidas paliativas", diz Roberto Rodrigues, ex-ministro da Agricultura e coordenador do Centro de Agronegócio da FGV.
Enquanto o governo e o Congresso negociam, os produtores rurais tentam se adaptar à nova realidade. Muitos recorrem ao crédito privado, cujas taxas de juros chegam a 15% ou mais ao ano, encarecendo a produção e reduzindo a margem de lucro. Em regiões como o Centro-Oeste, há relatos de adiamento de compras de insumos e máquinas, o que pode comprometer o plantio da safra 2025/2026. "Sem o Plano Safra, o custo sobe, e quem paga a conta é o consumidor", lamenta João Carlos, sojicultor em Sorriso (MT).
A interrupção do Plano Safra também reacende o debate sobre a dependência do agronegócio brasileiro de subsídios públicos. Embora o setor seja reconhecido por sua eficiência e competitividade, o crédito rural com juros equalizados é visto como essencial para mitigar os riscos climáticos e econômicos inerentes à atividade agrícola. "O Brasil é um gigante do agro, mas precisa de políticas públicas consistentes para manter esse status", observa Ana Paula Teles, economista agrícola da Universidade de São Paulo (USP).
A pressão do setor agropecuário surtiu efeito inicial com o anúncio da MP, mas a retomada plena das linhas de crédito depende de decisões políticas e econômicas que ainda estão em aberto. O Congresso, que encerrou 2024 sem votar a LOA devido a embates com o Supremo Tribunal Federal (STF) sobre emendas parlamentares, deve retomar as discussões após o Carnaval. Até lá, o futuro do Plano Safra permanece incerto, deixando produtores e analistas em alerta.
Para o agronegócio, a suspensão é mais do que uma questão financeira — é um teste de resiliência. Se a medida se prolongar, os impactos podem ir além da próxima safra, afetando a confiança de investidores internacionais e a capacidade do Brasil de atender à demanda global por alimentos. Por outro lado, a crise pode acelerar reformas no modelo de financiamento agrícola, tornando-o menos dependente de aportes do Tesouro Nacional.
Enquanto as negociações avançam, o setor agropecuário cobra agilidade e previsibilidade. "O Brasil não pode brincar com o agro. É comida na mesa e dólares na economia", resume Pedro Lupion. A retomada do Plano Safra, mesmo que parcial, será um passo crucial para evitar prejuízos maiores, mas o episódio deixa claro que o equilíbrio entre política fiscal e apoio ao campo exige mais planejamento e menos improvisação.
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